O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da sentença que considerou improcedente o pedido para que a Viação Cometa fosse impedida de restringir o direito à gratuidade (e também desconto, no caso de idosos e jovens) de passagens no transporte coletivo interestadual, devendo assegurar a concessão do passe livre às pessoas com deficiência, aos idosos e aos jovens de baixa renda em todos os veículos destinados ao transporte rodoviário interestadual, independentemente da categoria do serviço ofertado.
Tal gratuidade está prevista no art. 40 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), no art. 1º da Lei 8.899/1994 (Lei do passe livre para pessoas com deficiência) e no art. 32 da Lei 12.852/2013 (Estatuto da Juventude).
No recurso enviado ao TRF1, o MPF pede o reconhecimento da inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade das restrições estabelecidas no art. 1º do Decreto nº 3.691/2000, nos arts. 39 e 40 do Decreto nº 9.921/2019, no art. 13 do Decreto nº 8.537/2015 e no art. 33 da Resolução nº 4.770/2015 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), devendo as empresas serem impedidas de impor qualquer restrição aos benefícios legais com base em tais regulamentos.
Tais decretos do Poder Executivo e a resolução da ANTT foram criados com o intuito de “regulamentar” esses direitos, estabelecendo que a gratuidade e/ou desconto das tarifas do transporte público interestadual somente poderia recair na oferta do serviço convencional. Ou seja, os titulares dos direitos não estariam autorizados a utilizar a garantia legal em veículos classificados como executivo, semi-leito ou leito, modalidades superiores ao serviço convencional.
A Viação Cometa, que transporta passageiros entre todos os estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil, limita a gratuidade apenas em ônibus convencionais, unicamente para viagens feitas às quartas-feiras; além disso, a concessão é limitada a duas passagens por semana.
Decisão – Na decisão da 20ª Vara Federal de Belo Horizonte, a Justiça entendeu que “embora as leis de regência não tenham feito restrições ao tipo de transporte a ser utilizado para que sejam usufruídos os benefícios instituídos, tampouco limitação à quantidade de dias semanais a serem ofertados, a inclusão dessas restrições em decretos do Poder Executivo ou Resoluções das Agências Reguladores representa um aperfeiçoamento da disciplina normativa correspondente, no sentido de viabilizar a própria prestação do serviço a todos os cidadãos, sem comprometer a viabilidade econômica operacional das próprias empresas”.
Para o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, autor do recurso, esse entendimento está equivocado, pois “a lei não impôs tal restrição e nem poderia, sob pena de manifesto ato discriminatório. Por isso, a edição de atos normativos restritivos pelo Poder Executivo não representa um ‘aperfeiçoamento disciplinar da matéria’, mas, na verdade, uma violação discriminatória das garantias estabelecidas em favor dos idosos, dos deficientes e dos jovens carentes do nosso país”.
Em relação ao suposto desiquilíbrio econômico que seria gerado pela implementação da norma, o MPF acredita que não é crível que a gratuidade ou a redução de tarifas em transporte interestadual em ônibus não convencionais represente um prejuízo significativo nas receitas da empresa, ao ponto de precarizar ou mesmo de inviabilizar a sua atividade, pois a própria lei estabeleceu os mecanismos de compensação.
Distorção – O recurso ainda ressalta que esse decretos e regulamentações estabeleceram um verdadeiro paradoxo, pois “quanto maior o poderio econômico da empresa, quanto melhor e mais equipada sua frota, menor será sua obrigação de conceder benefícios tarifários a pessoas com deficiência, idosos e jovens carentes, eis que bastará que substitua todos os seus veículos de características básicas por outros de categoria superior – o que, diga-se, atualmente é comum nas linhas com um maior fluxo de passageiros. Por outro lado, quanto menor a empresa concessionária de transporte, quanto mais simples e menos equipados os seus veículos, maior será sua responsabilidade social”.
O recurso também pede a condenação da empresa por danos morais coletivos e individuais decorrentes das reiteradas negativas de viabilização da fruição dos direitos pelas pessoas beneficiadas. (ACP nº 1020873-50.2021.4.01.3800-PJe).
Fonte: Imprensa MPF