Foto: Vicente Schmitt / Agência AL

A proteção das comunidades e dos territórios tradicionais deve ser um dos principais pontos da política estadual voltada ao turismo de base comunitária (TBC), tema de audiência pública realizada na noite desta quinta-feira (3) pela Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa. O encontro contou com a presença de especialistas no assunto e de representantes de comunidades tradicionais, além da Secretaria de Estado de Turismo e da Embratur.

Conforme o proponente da audiência e presidente da comissão, deputado Marquito (Psol), o objetivo foi debater o projeto de lei de autoria da deputada Paulinha (Podemos), que regulamenta e institui uma política estadual voltada ao TBC. A proposta tramita atualmente no colegiado, sob a relatoria do parlamentar. “O que ouvimos aqui nessa audiência será acolhido e registrado para servir de matéria-prima para o relatório que vamos apresentar sobre o projeto”, disse Marquito.

O TBC consiste no tipo de turismo em que a comunidade que é visitada organiza e presta serviços para os visitantes. São possíveis alvos do TBC comunidades urbanas tradicionais, de pescadores, agricultores, unidades de conservação ambiental, quilombolas, entre outros, que oferecem atrativos diversos, como visita a plantações, hospedagem, pesca, trilhas e alimentação.

O deputado estadual do Paraná Goura Nataraj (PDT) é autor de um projeto de lei semelhante que tramita no Parlamento paranaense. Ele afirmou que o TBC pode ser um indutor da preservação do meio ambiente e, principalmente, proteger essas comunidades tradicionais, além de melhor a sua qualidade de vida. “É algo verdadeiramente sustentável, algo que respeita as comunidades, os saberes e as potencialidades desses territórios”, afirmou.

Para a analista ambiental do ICMBio Carolina Mattosinho Alvite, especialista em TBC em unidades de conservação, acredita que a política estadual deve abranger e respeitar a diversidade de comunidades que existe no estado, promover a divulgação desse potencial, além de fortalecer a infraestrutura das comunidades. “É preciso estabelecer mecanismos de consulta prévia a essas comunidades, respeitando o protagonismo delas nesse processo.”

A professora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Daniela Carrelas, também especialista no tema, lembrou que o TBC é diferente do turismo convencional. “O TBC é o encontro entre quem reside naquela comunidade, um residente consciente, que se sente pertencente àquele território e vive esse território, com o turista. Ele requer a interação de quem vive o território e o visitante que vem conhecê-lo. É uma outra maneira de vivenciar o turismo”, comentou.

Para ela, qualquer política estadual deve priorizar “a valorização, a salvaguarda e a proteção desses territórios. É importante termos uma lei que perceba que a finalidade primeira do TBC são as pessoas que residem no local, o território e sua preservação. E o turismo é uma estratégia para isso.”

Representantes de comunidades também participaram da audiência. Karlota Scotti, da Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia/Sítio Hortêncio, afirmou que o TBC, além de proteger as comunidades, cria oportunidades, gera renda e valoriza o patrimônio cultural e natural. “Precisamos de políticas públicas para valorização das atividades que já realizamos”, disse.

Claudete Medeiros, do Taiá Terra/Rede Engenhos de Farinha, defendeu a valorização e a proteção das comunidades, como forma de protegê-las de questões relacionadas ao turismo convencional, como a especulação imobiliária. “Essa lei, em si, pode nascer morta se as pessoas dessas comunidades não forem ouvidas”, disse. “Não basta vender um roteiro, tem que salvaguardar o modo de vida dessa população, pois do contrário faremos um turismo ‘nutella’ e não um turismo ‘raiz’.”

Sérgio Pinheiro, representante do Costa Catarina, reforçou a necessidade do fortalecimento das associações e coletivos, além da promoção do desenvolvimento territorial sustentável, sem se esquecer da proteção desses territórios. “As comunidades têm que ser protagonistas”, considerou.

Roberta Braz, do Projeto Tekoá Pirá, relacionado à pesca artesanal da tainha, também defendeu que a política estadual atenda as necessidades da comunidade, além de salvaguardá-la. “Não adianta levar o turista para conhecer a pesca da tainha, se o pescador não tem o mínimo para poder desempenhar sua atividade.”

Zoraia Vargas Guimarães, presidente da Associação de Moradores da Lagoa do Peri, reivindicou financiamento para as comunidades que praticam o TBC. Ela também alertou para a ameaça que o turismo de massa representa não só para essas populações, mas para as unidades de conservação, como é o caso da Lagoa do Peri, em Florianópolis.

“TBC é resistência das comunidades, numa forma de proteção aos seus modos de vida, à sua cultura”, disse. “É muito desleal a competição com o turismo de massa. Sem dinheiro, não vamos conseguir. Temos um potencial incrível, que só vai fortalecer o estado.”

Marcelo Espinoza
AGÊNCIA AL