A reação do Ocidente à alta dos combustíveis e a busca por alternativas ao petróleo exportado pela Rússia têm ajudado a equilibrar as cotações internacionais depois do choque inicial causado pela guerra da Ucrânia. Na visão do sócio da gestora Atmosphere Capital Felipe Mattar, esses movimentos devem fazer o preço do petróleo se manter em torno de US$ 90 a US$ 100 por barril, um pouco abaixo do patamar atual. “O cenário mudou, e está estimulando as empresas a voltarem a investir”, afirma ele, que é especialista no setor e já trabalhou como estrategista no banco de investimentos Goldman Sachs. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como avalia o comportamento do petróleo, passados dois meses da guerra da Ucrânia?

No começo do ano, a gente tinha uma situação em que as refinarias e os compradores de petróleo não acreditavam numa escalada de preços e, consequentemente, não estavam comprando petróleo a US$ 90 por barril. De repente, veio a invasão da Ucrânia. A empresa que fez essa aposta teve de sair correndo atrás de petróleo, o que fez os preços subirem. As sanções também aumentaram os prazos de entrega dos petroleiros e mudaram as estruturas de crédito e seguro para esse transporte. A partir daí, começa a se desenhar uma nova ordem, e são tomadas várias medidas mais imediatas de contraposição no curto prazo.

Quais medidas são essas?

São medidas mais imediatas, como a decisão dos EUA de liberar os estoques de reserva de petróleo e de aumentar a quantidade de etanol na gasolina. Também ainda veremos o resultado das negociações da Opep e como ela vai se posicionar. A Opep tem hoje a capacidade de elevar a produção em quase 6 milhões de barris por dia de forma relativamente rápida. No médio prazo, em torno de 6 meses, tem uma retomada das sondas de perfuração do shale (óleo de xisto) americano e dos oil sands (areias petrolíferas) canadenses. Para se ter ideia, a reserva recuperável do Canadá é o dobro da russa. Além disso, existe um empenho importante em um acordo com o Irã, em favor das retomadas das exportações de petróleo do país. O Irã tem quase 50 milhões de barris estocados, e eles estão doidos para vendê-los.

O que isso indica? Os preços não devem subir tanto quanto se temia?

O cenário mudou e está estimulando as empresas a voltarem a investir. Esses investimentos vão levar a uma acomodação da oferta de petróleo que não justifica preços muito acima dos US$ 90 o barril. Pontualmente, (o petróleo) pode subir. Se amanhã a Rússia decidir que não vai mandar petróleo para mais ninguém, e fazer estoque, o preço pode disparar outra vez. Mas, olhando um ou dois anos para frente, estruturalmente, estamos falando de um petróleo entre US$ 90 e US$ 100.

Nesse cenário de demanda e oferta mais equilibradas, dá para esperar um alívio na inflação ou, pelo menos, no preço dos combustíveis?

Olhando mais para frente, sim. Mas, em um prazo mais curto, não enxergo o petróleo indo muito para baixo de US$ 90 a US$ 100. O grosso da pressão energética já veio. Mas tem os efeitos multiplicadores que levam um pouco mais de tempo para se materializar, tanto do ponto de vista de repasse de preço, quanto das implicações para consumo. E tem a pressão de outros materiais, como os preços dos fertilizantes impactando preços agrícolas. Vamos conviver por mais alguns meses com a incorporação desses aumentos.

A Europa tem de onde comprar o petróleo que hoje vem da Rússia?

No curtíssimo prazo, não. Em algum grau, os estoques de reservas dos países são uma fonte. Ela vai depender de uma aceleração da produção do shale. E um acordo com o Irã poderia trazer uma substituição importante. E uma solução pode, sim, também passar pelo Brasil. É que a oferta do Brasil, por causa da própria característica do pré-sal, leva um pouco mais de tempo (para ser ampliada).

O Brasil teria essa capacidade de produção?

Num prazo mais longo, sem dúvida, desde que a estabilidade institucional do Brasil permaneça.

POR ESTADAO CONTEUDO