Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que institui a Estratégia Nacional de Saúde. A proposta prevê vantagem em licitações para empresas estratégicas credenciadas; e parcerias com instituições públicas para o desenvolvimento de tecnologias no setor. O texto será enviado ao Senado.

De autoria do deputado Doutor Luizinho (PP-RJ) e outros, o Projeto de Lei 2583/20 foi aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL).

Para serem consideradas Empresas Estratégicas de Saúde (EES), as pessoas jurídicas públicas ou privadas deverão se credenciar junto ao Ministério da Saúde e atender a alguns critérios, como:

  • ter sede no País e ter como finalidade atividades produtivas e a realização de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico;
  • dispor de histórico de produção e de instalação industrial para fabricação de produto estratégico de saúde (PES) no Brasil;
  • ter capacidade de assegurar a continuidade e a expansão produtiva no País.

A estratégia será desenvolvida no âmbito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) e envolverá parcerias para o desenvolvimento produtivo (PDP), programas de desenvolvimento e inovação local (Pdil) e encomendas tecnológicas em saúde (Etecs).

Esse complexo é definido como a base econômica, produtiva, tecnológica e dos serviços de saúde existente no País. Contempla a produção e a inovação de produtos estratégicos para a saúde, como medicamentos, vacinas, soros, hemoderivados, dispositivos médicos, insumos farmacêuticos ativos, componentes e insumos críticos para a produção.

Para o relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr., a aprovação das medidas representa um passo significativo em direção à soberania e à segurança sanitária do Brasil. “Além de promoverem o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor de saúde, contribuem para a criação de um parque industrial robusto e especializado, capaz de atender às demandas internas e, potencialmente, de se posicionar no mercado global”, afirmou.

Bulhões disse que a medida preparará a economia brasileira para eventuais emergências globais de saúde pública, podendo atender às necessidades de saúde da população em tempo hábil. O deputado afirmou que a proposta veio da experiência da comissão externa da Câmara durante a pandemia de Covid-19.

O autor da proposta, deputado Doutor Luizinho, explicou que o projeto foi elaborado durante a pandemia para que houvesse soberania do País nos serviços de saúde. “A gente não pode ter outra pandemia e ficar dependendo de comprar respirador da China, da Índia”, afirmou.

Segundo ele, a lógica é a mesma dos medicamentos genéricos, feitos no Brasil.

Produto estratégico
O texto aprovado define o produto estratégico de saúde (PES) como quaisquer bens, serviços, soluções produtivas e tecnológicas ou informacionais essenciais para a segurança sanitária, a autonomia produtiva, a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) ou a resposta a situações de emergência em saúde pública.

Nesse sentido, podem ser medicamentos, dispositivos médicos, materiais, insumos farmacêuticos, componentes tecnológicos críticos (CTC), tecnologias digitais em saúde e meios de transporte de uso individual e coletivo, entre outras tecnologias.

Licitação exclusiva
O projeto permite à administração pública realizar licitação exclusivamente para a compra de PES produzido ou desenvolvido pelas empresas estratégicas. Além disso, em outras licitações abertas, poderá aplicar margem de preferência se o objeto envolver PES nacional que atenda às normas técnicas brasileiras.

A Lei de Licitações (Lei 14.133/21) prevê margem de até 20% sobre o preço vencedor; e a Empresa Estratégica de Saúde (EES) deverá ter capacidade de atender a um mínimo de 30% da quantidade a ser comprada ou contratada.

No caso de compra de PES importado ou de seu desenvolvimento, se houver justificativa prévia da autoridade competente, será exigida compensação tecnológica em saúde a ser formalizada segundo regulamento.

Compra centralizada
Será possível fazer a compra centralizada de PES, com critérios e elementos mínimos dos editais definidos em regulamento.

Esses critérios de seleção poderão abranger a avaliação das condições de financiamento oferecidas pelos licitantes. E o contrato poderá determinar a manutenção de espaço físico reservado para pesquisa, projeto, desenvolvimento, produção ou industrialização desses produtos, além de percentual mínimo de agregação de conteúdo nacional.

Dispensa de licitação
A modalidade de dispensa de licitação poderá ser usada na compra de PES quando ele tiver se originado de uma parceria (PDP) ou de encomendas tecnológicas (Etecs).

Outro caso previsto de dispensa é para os produtos desenvolvidos ou produzidos no âmbito de parcerias locais (Pdil). Para isso, ele deve ter sido incorporado ao SUS e o preço tem de ser compatível com o mercado.

Incentivos
O texto também autoriza o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a criar uma linha de crédito para as EES com taxas de juros competitivas, prazos de pagamento ajustáveis e carência de pagamento do principal, como definido em regulamento específico.

As empresas estratégicas em saúde terão prioridade na análise e tramitação de petições, requerimentos e demais pedidos em processos regulatórios inerentes a suas atividades.

Outra prioridade será em seleções para instrumentos de cooperação com Institutos Científicos e Tecnológicos (ICTs) e em chamamentos públicos quando relacionados a pesquisa, desenvolvimento, inovação e produção de PES.

O Poder Executivo deverá ainda estabelecer uma escala de aplicação de alíquotas do Imposto de Importação compatíveis com a competitividade das EES no mercado nacional. Adicionalmente, deverá avaliar continuamente, em conjunto com o setor privado, a necessidade de medidas de defesa comercial contra práticas desleais prejudiciais ao mercado interno brasileiro na área de saúde.

Transferência de tecnologia
Por meio das parcerias para o desenvolvimento produtivo (PDP), a empresa escolhida em processo seletivo realizado pelo Poder Executivo deverá firmar contrato contemplando o acesso integral ao conhecimento e à tecnologia de produção detalhada do produto objeto de contratação pela empresa recebedora da tecnologia.

É o caso, por exemplo, de uma farmacêutica multinacional que pretende fabricar no Brasil por meio dessa parceria, acessando de forma preferencial as contratações do SUS por meio das licitações direcionadas ao PES.

Para produtos biotecnológicos, será obrigatório transferir o material biológico com acesso irrestrito ao Banco de Células Mestre (BCM), uma fonte primária de células para medicamentos biológicos.

Com a parceria, o Ministério da Saúde deverá garantir a compra dos produtos resultantes dela em volumes e quantitativos previamente aprovados em plano de demanda pactuado.

Nessas compras, o preço de mercado do produto deverá discriminar os custos de transferência de tecnologia, na forma de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI). O preço de mercado deverá ser compatível com os praticados em contratações do SUS antes da parceria.

Quando ocorrer o fim da vigência da patente, os preços dos produtos feitos por meio de parceria deverão ter desconto adicional nas compras realizadas daí em diante.

Caberá ao Poder Executivo adotar mecanismos permanentes de monitoramento dos preços dos produtos estratégicos de saúde fornecidos pela parceria praticados nos mercados nacional e internacional.

Quando um mesmo produto estiver sendo desenvolvido por mais de uma empresa, a que primeiro demonstrar capacidade de suprimento e estiver habilitada será responsável pelo fornecimento da demanda total do Ministério da Saúde enquanto as demais parceiras não reunirem as condições para entrar na fase de fornecimento.

Mas se algum dos projetos vinculados à mesma demanda não puder atender à respectiva cota de demanda do SUS, outro projeto com capacidade produtiva assumirá sua cota provisoriamente até que o responsável original restabeleça sua capacidade de fornecer.

Desenvolvimento local
Sobre os programas de desenvolvimento e inovação locais (Pdil), o texto da Câmara prevê que eles terão a finalidade de promover o desenvolvimento da produção, melhorias técnicas e inovação local de soluções produtivas e tecnológicas de produtos estratégicos para o SUS.

Os projetos de Pdil devem envolver, obrigatoriamente, uma ICT ou um produtor público de saúde em parceria com uma empresa estratégica. O instrumento de contratação do projeto poderá prever pagamento por fases. Após avaliação de auditoria técnica, o prazo de duração do projeto poderá ser prorrogado ou encerrado.

Importação de medicamentos
Quanto à importação de medicamentos, drogas e insumos farmacêuticos, o projeto aprovado pelos deputados cria uma espécie de reserva de mercado, proibindo sua importação quando forem fabricados em território nacional por uma ESS.

As exceções são para casos com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de:

  • comprovada insuficiência da produção nacional para atendimento integral e tempestivo das necessidades do SUS; ou
  • compra por meio de organismos multilaterais internacionais dos quais o Brasil seja membro quando o produto for destinado a programa de saúde pública executado pelo Ministério da Saúde.

Para essa autorização, deve ser comprovado que o fornecedor e o detentor do registro do produto estejam em pleno exercício de seus direitos legais e que o produto possui registro válido em país membro do ICH, um conselho internacional de harmonização de requisitos técnicos para produtos farmacêuticos de uso humano.

Registro de medicamentos
O projeto altera a lei que regula a vigilância sanitária (Lei 6.360/76) para acabar com a necessidade de comprovação de registro do produto no país de origem para seu registro no Brasil, condição primeira para sua comercialização.

Também não será mais possível a alternativa de apresentar registro de outro país em que seja comercializado com chancela da Anvisa. Desse trecho da lei atual permanece apenas a necessidade de comprovação da certificação em Boas Práticas de Fabricação (BPF), tanto para medicamentos e insumos nacionais quanto estrangeiros.

Medicamento de referência
O texto propõe mudança também na definição de medicamento de referência. Segundo a Anvisa, o status de medicamento de referência é conferido ao medicamento que se torna parâmetro de eficácia terapêutica, segurança e qualidade para o registro dos medicamentos genéricos e similares.

A lei considera passível de ser um medicamento de referência apenas um “produto inovador” e que seja comercializado no País. Com o texto do projeto, também passa a ser medicamento de referência o “produto novo”, excluindo-se a condição de ser comercializado no Brasil.

Debate em Plenário
O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) afirmou que o projeto fornece condições para a indústria nacional produzir mais insumos e remédios. “O País tem uma doença também, produzimos pouco medicamento no Brasil. O projeto é um avanço na ciência para produzir medicamento, para melhorar a saúde do povo brasileiro”, disse.

Segundo o deputado Jorge Solla (PT-BA), o texto coloca em lei iniciativas do Ministério da Saúde para viabilizar os investimentos e ter uma produção nacionalizada de medicamentos. “O projeto está em sintonia com o resgate, com a reconstrução do sistema de saúde que o presidente Lula vem fazendo. Felizmente estamos recuperando o complexo industrial de saúde”, afirmou.

Já o líder do Novo, deputado Marcel van Hattem (RS), afirmou que a proposta vai acabar fazendo com que a saúde custe mais caro para o cidadão. “Que as empresas brasileiras tenham a qualidade das empresas estrangeiras e não que lhe sejam oferecidas muletas por meio dos pagadores de impostos para elas poderem vender mais caro para o governo”, disse.

Segundo ele, a medida vai tirar dinheiro de brasileiros que terão de pagar mais caro por meio de impostos.

Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), a proposta tem intenção boa, mas consequências nefastas. “Considerar qualquer empresa de saúde estratégica para o País já coloca um ponto de interrogação. O fato de ser estratégica dá uma monte de privilégio para um monte de indústria”, afirmou a parlamentar, que criticou a possibilidade de haver licitação exclusiva.

Fonte: Agência Câmara de Notícias