Uma nova atividade produtiva com grande potencial de mercado está crescendo nas águas do litoral catarinense. O Estado, que já é o maior produtor nacional de ostras, mexilhões e vieiras, agora também gera renda em suas fazendas marinhas a partir do cultivo da macroalga Kappaphycus alvarezii. A produção comercial está decolando, mas já revela grandes oportunidades para os maricultores de Santa Catarina.
Essa macroalga é a principal matéria-prima para extração de carragenana, substância que possui propriedades espessantes e estabilizantes, muito utilizada nas indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. A partir do início dos cultivos catarinenses, os maricultores, pesquisadores e extensionistas ainda identificaram novas possibilidades para agregar valor ao produto, como a fabricação de alimentos, cosméticos e extrato para biofertilizante.
Pesquisas e viabilidade
Mais de uma década de trabalho foi necessária para que a Kappaphycus alvarezii se tornasse uma opção para os maricultores. Pesquisas conduzidas pela Epagri em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desenvolveram o sistema de cultivo e comprovaram a viabilidade técnica, econômica e ambiental dessa nova cadeia produtiva para o litoral catarinense. Em 2020, o estado obteve autorização ambiental para o cultivo comercial da macroalga.
Com o “terreno” preparado, a Epagri vem capacitando maricultores interessados em investir nessa cadeia produtiva. O trabalho envolve assistência técnica aos iniciantes e a busca de estratégias para viabilizar o comércio do produto e posicioná-lo no mercado. Nos últimos dois anos, oito cursos foram oferecidos para 80 técnicos e produtores.
Primeira safra de macroalgas
Em 2021/22, Santa Catarina registrou a primeira safra comercial de macroalgas. Quatro produtores de Florianópolis e Palhoça, explorando uma área de 3,2 hectares, totalizaram 102,3 toneladas de alga viva. Hoje, esses municípios concentram 90% da produção do estado, mas há cultivos iniciais em São Francisco do Sul, Penha, Porto Belo e Governador Celso Ramos, somando 15 agricultores em Santa Catarina. A projeção da Epagri é de que, em cinco anos, o cultivo de algas beneficie cerca de 450 famílias da maricultura.
Em Santa Catarina, o método mais comum de cultivo da Kappaphycus alvarezii é o tie-tie, que significa “amarra-amarra” e consiste na amarração das algas, galho por galho, em um cabo principal. Em outro sistema, menos utilizado, pedaços de talo são colocados em redes tubulares sustentadas por flutuadores. Em ambos os modelos, as algas podem ser produzidas em policultivo, na mesma estrutura usada para os moluscos.
O ciclo de cultivo no estado varia de 30 a 45 dias, e os produtores podem atingir de 4 a 5 ciclos anuais, dependendo do regime de chuvas e da temperatura da água – quanto mais quente, mais rápido o crescimento. O faturamento de um hectare pode atingir R$333 mil por ano, apenas com o comércio da alga viva.
Além de gerar renda, as algas ajudam a combater a poluição marinha: isso porque, para crescer e formar biomassa, elas funcionam como verdadeiras esponjas, sugando o excesso de nutrientes que causam a eutrofização e a acidificação do mar. Dessa forma, a nova cadeia produtiva também beneficia a produção catarinense de mexilhões e ostras, que são organismos filtradores e dependem de água de boa qualidade.
Biofertilizante de algas
Em parceria com a UFSC, a Epagri estimulou a fabricação de um produto de alto valor agregado em Santa Catarina: o extrato de macroalga para biofertilizante. Esse extrato é rico em fitormônios, substâncias que promovem o crescimento das plantas, tornando-as mais vigorosas, produtivas, resistentes a pragas, doenças e adversidades climáticas. Cada quilo de alga fresca rende uma média de 800ml de extrato, e o litro do produto é comercializado por cerca de R$18.
Os estudos seguem para identificar a composição química da macroalga nas quatro estações do ano. Os pesquisadores acreditam que essa composição varia, com a produção de substâncias que protegem a alga das adversidades climáticas do Sul. Essa proteção poderá ser transferida para as plantas terrestres pelo biofertilizante, trazendo vantagem competitiva para o produto catarinense no mercado.
Outra linha de trabalho está no uso da Kappaphycus alvarezii na alimentação. A Epagri firmou um acordo de cooperação técnica com o Senac para desenvolver pratos à base de algas com o objetivo incluí-los nos cardápios de restaurantes. Em 2022, foram realizadas oficinas culinárias e eventos de degustação. A parceria ainda busca desenvolver cosméticos e produtos alimentares como chips e snacks de algas.
Maricultor produz extrato de alga para biofertilizante em SC
O maricultor Raulino de Souza Filho, de Palhoça, na Grande Florianópolis, começou a cultivar macroalgas de forma experimental, em parceria com a Epagri, e decidiu mergulhar fundo nesse negócio. Hoje, Nino, como é conhecido, tem uma área de produção com 1,54 hectare e já montou uma fábrica de extrato de alga para produção de biofertilizantes.
“A alga tem um potencial grande e estamos trabalhando em cima disso. Sou apaixonado por inovação e já tenho mais de 20 anos de parceria com a Epagri. Acreditei nesse projeto e vou ser pioneiro em Santa Catarina”, afirma.
Em 2022, trabalhando ainda de forma experimental, Nino produziu 36 mil litros do extrato e vendeu cerca de 30% da produção. A previsão para 2023 é produzir cerca de 50 mil litros de extrato e, no futuro, comercializar o fertilizante pronto. “Há uma grande demanda de interessados em produzir algas. Estou conversando com colegas maricultores que poderão produzir a macroalga de forma consorciada com os cultivos de ostras e mexilhões e se tornar fornecedores de matéria-prima”, diz o empresário.
Algas para consumo humano são aposta de maricultora em Florianópolis
Nas mãos da maricultora Tatiana Gama da Cunha, de Florianópolis, as macroalgas se transformam em alimentos, cosméticos e biofertilizante artesanal. Com visão empreendedora e apoio da Epagri, ela criou a empresa Algama e inaugurou no início de 2023 a primeira unidade de beneficiamento de macroalgas para alimentação de Santa Catarina.
O interesse pela Kappaphycus alvarezii começou como uma alternativa para melhorar a qualidade da água de cultivo de moluscos na fazenda da família, localizada no Ribeirão da Ilha. “Além disso, o trabalho com algas é mais leve”, acrescenta.
Tatiana fez pesquisas, cursos e viagens para descobrir formas de agregar valor ao produto e começou a produzir aos poucos, de forma artesanal, sabonete, hidratante, xampu, condicionador, biofertilizante e alga desidratada para alimentação.
Em 2022, a maricultora colheu 4 toneladas de macroalgas em uma área de 0,5 hectare. Com a agroindústria pronta, a ideia é aumentar o cultivo, focar na área de alimentos e oferecer oficinas culinárias. “É possível preparar molhos, patês, pastas, sorvetes, picolés, gelatinas, geleias e outros alimentos. A ideia é ensinar as pessoas a consumirem as algas, pois elas trazem muitos benefícios para o organismo: são consideradas polivitamínicos naturais, têm poder antioxidante, melhoram a imunidade, enfim, têm um potencial fantástico a ser explorado”, defende.
O apoio da Epagri foi fundamental na criação do novo negócio. Tatiana participou do Curso Mulheres em Ação “Flor-e-Ser”, realizado na Grande Florianópolis, e durante a capacitação construiu o projeto que viabilizou a unidade de beneficiamento. Com o projeto de crédito elaborado pela Epagri, ela acessou o Programa Jovens e Mulheres em Ação, da Secretaria da Agricultura, e obteve financiamento de R$11 mil. “Cheguei aqui com o apoio de familiares, amigos, e também da Epagri e da UFSC, que sempre apoiaram o desenvolvimento da maricultura de Santa Catarina”, afirma.
Acesse o Balanço Social da Epagri para saber mais sobre este e outros casos de sucesso em Santa Catarina.
Escrita por: Cinthia Andruchak Freitas, jornalista