ALAGOAS (FOLHAPRESS) – Municípios que contrataram kits de robótica com a empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), concentram 79% do total gasto pelo governo Jair Bolsonaro (PL) com essas despesas em 2021 em todo o país.
O percentual representa R$ 31 milhões de um montante total de R$ 39 milhões. Os valores se referem somente à rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.
Cada kit foi adquirido pelas prefeituras por R$ 14 mil, valor muito superior ao praticado no mercado e ao de produtos de ponta de nível internacional.
O dinheiro foi depositado para os municípios nos meses de fevereiro e março. Trata-se de mais um exemplo da falta de critérios técnicos e do domínio do apadrinhamento político na liberação de verbas do MEC na gestão Bolsonaro.
Esses R$ 31 milhões envolvem sete pequenos municípios alagoanos e outros dois pernambucanos.
Como a Folha revelou, apesar de essas sete cidades alagoanas receberem R$ 26 milhões de dinheiro federal para robótica, ela sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.
Também há casos de obras com dinheiro federal paralisadas.
A empresa fornecedora dos kits de robótica para esses municípios é a Megalic, que funciona em uma pequena casa no bairro de Jatiuca, em Maceió, com capital social de R$ 1 milhão.
Apesar de fechar contratos milionários, a empresa é intermediária, não produz kits de robótica. Os registros da Megalic indicam atuação em diversas áreas, de materiais de limpeza a instrumentos médicos.
A Megalic está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (de saída do PSD). A proximidade do vereador e de seu pai com Arthur Lira é pública.
A contratação da empresa ocorreu, em geral, pela adesão a atas de registros de preços já disponíveis.
As cidades beneficiadas foram: União dos Palmares, Canapi, Santana do Mundaú, Branquinha, Barra de Santo Antônio, Maravilha e Flexeiras. Além dessas, constam na lista os municípios pernambucanos de Bom Jardim e Carnaubeira da Penha.
Essas duas últimas seguem o mesmo perfil dos municípios alagoanos, com baixo número de matrículas e, segundo dados oficiais, deficiências estruturais.
Bom Jardim tem 5.294 matrículas, em 33 escolas municipais, e recebeu do governo federal R$ 4 milhões no dia 8 de março para a compra de kits de robótica.
Somente 8% das escolas têm laboratório de informática.
Em nota, a Prefeitura de Bom Jardim afirmou que teve acesso aos recursos porque foi contemplada pelo FNDE após seguir os trâmites burocráticos. O município aderiu a uma ata de registro de preços já finalizada, diz a nota, porque “ela atendia as devidas especificações dos itens inscritos no sistema”.
O dinheiro para Carnaubeira da Penha foi transferido também em 8 de março, em um total de R$ 985 mil. A rede municipal tem 28 escolas, só 18% com internet, e 1.942 matrículas.
Todos esses recursos são oriundos das chamadas emendas de relator, cuja distribuição é controlada pelos líderes do centrão, bloco de apoio do presidente Bolsonaro. Ligado ao MEC, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) gere esse dinheiro.
O FNDE é controlado pelo centrão -o presidente do fundo, Marcelo Lopes da Ponte, era chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil de Bolsonaro, aliado de Lira. Os dois comandam o PP, legenda que dá sustentação ao governo.
FNDE e MEC não responderam aos questionamentos da reportagem. Arthur Lira nega qualquer influência na liberação dos recursos e qualquer relação com a empresa beneficiada.
Em 28 de março o ministro Milton Ribeiro foi exonerado após vir à tona a existência de um balcão de negócios na pasta, com participação de pastores evangélicos sem vínculo oficial com o poder público e acusações de cobrança de propina até em barra de ouro.
Ribeiro perdeu o cargo sete dias após a Folha revelar áudio em que ele dizia que privilegiava um dos pastores lobistas a mando de Bolsonaro. A existência da atuação extraoficial dos pastores foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Outras cidades alagoanas, como Delmiro Gouveia e São José da Laje, também contrataram a mesma empresa, mas ainda não receberam recursos do FNDE para este fim.
No total de pagamentos feitos pelo FNDE há casos de compras que vão de caminhões frigoríficos a climatizadores para escolas.
A escola João Lemos Ribeiro, na zona rural da cidade de Maravilha (AL), já recebeu um kit de robótica, embora a prioridade seja computadores, internet e climatizadores.
“Há professores encantados com o projeto, mas nossa prioridade aqui é ter internet e ar-condicionado nas salas, porque aqui vira um forno e temos até que liberar os alunos”, disse a diretora Juliane Lemos, 36, quando a Folha esteve na unidade na segunda-feira (4).
Foram empenhados, no ano passado, um total de R$ 189 milhões para a compra de equipamentos de tecnologia. Do total, 80% com destinação para Alagoas e Pernambuco -o que inclui os municípios já citados, mas não necessariamente todos têm destinação para robótica.
No ano inteiro de 2021, o FNDE pagou apenas R$ 2,4 milhões para a compra de kits de robótica.
A relação de Lira com os donos da Megalic foi revelada pela Agência Pública.
O vereador João Catunda e o presidente da Câmara dos Deputados foram os responsáveis por levar integrantes do FNDE e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro a um encontro com prefeituras em Maceió em novembro passado.
Ele é recebido recorrentemente na residência de Lira e até já foi levado para reunião com o minsitro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Catunda receberá o apoio de Lira para candidatura a deputado federal por Alagoas nas próximas eleições. Ele deixa o PSD e segue para o PP, legenda do presidente da Câmara.
Além de comprar cada kit por R$ 14 mil, os contratos incluem outros custos como material didático para alunos e professores e formações para docentes. O que eleva os contratos -em alguns contratos, cada solução de robótica, que inclui em geral um conjunto de kits e o pacote de materiais e formações, é orçado em R$ 175 mil.
O vereador disse à Folha que não tem relação com os negócios do pai e negou ter tido negociações com Lira. “Não faço solicitações para robótica, ou uso do meu cargo para isso, justamente porque seria imoral”, disse.
A reportagem esteve na Megalic na quarta-feira (6) e conversou com Roberta Lins, que é companheira de Edmundo Catunda.
Ela insistiu que a empresa venceu os processos licitatórios e disse desconhecer qualquer atuação de Arthur Lira.
A empresária não quis revelar quanto a Megalic paga por equipamento. Edmundo Catunda encaminhou uma nota em que diz que a atuação da empresa é exclusivamente comercial, sem cunho político.
Questionados pela reportagem, o Ministério da Educação e o FNDE não responderam, assim como as prefeituras de União dos Palmares, Canapi, Santana do Mandaú, Branquinha, Maravilha e Carnaubeira da Penha.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse, em nota, que não tem envolvimento com contratação de empresas pelos municípios. Ele afirmou que, além de não ter solicitado aceleração de liberações, esses processos obedecem a critérios técnicos objetivos definidos pelo próprio FNDE.
“No entanto, o presidente Arthur Lira é um deputado de base municipalista e trabalha assiduamente junto a todo e qualquer órgão visando liberação de recursos para investimentos e custeio nas prefeituras que compõem a sua base”, diz a nota, que ressalta que as cidades de Branquinha, Barra de Santo Antônio e Maravilha “não integram sua base”.
O kit vendido pela Megalic consiste em um carrinho com luzes e sensores de luz e temperatura. Na educação, a robótica se encora no aprendizado de programação, para controlar o robô, e espera-se o envolvimento de conhecimentos de matemática, elétrica, ciência e tecnologia, de forma prática.
Por Folhapress